Um Projeto que Constrói Pontes Entre o Oral e o Escrito

Vera Lúcia Pereira Borges

Neste texto, relato a proposta de um projeto de sequência didática com o gênero textual trava-línguas, realizada com as turmas do 2° ano da Escola Miya, no município de Dourados, MS, em 2016. As atividades foram realizadas no período de um mês, com o objetivo de desafiá-los a novos aprendizados de leitura, escrita e oralidade. Procurei, por meio das brincadeiras que o gênero possibilita, criar um ambiente que favorecesse o envolvimento dos alunos com o processo de ensino. Além disso, a proposta teve o sentido de valorizar o aspecto histórico e cultural da região e o de fazer um regaste histórico da cultura popular local. Ao organizar atividades para os alunos, busquei o resgate cultural por meio de pesquisas que, de forma lúdica e prazerosa, resultassem em práticas de letramento baseadas no gênero trava-línguas. O uso de exemplares desse gênero como material de leitura foi extremamente útil para aperfeiçoar a pronúncia e um excelente exercício para melhorar a dicção dos alunos. Esse gênero textual mostrou ser um importante instrumento para o aprendizado da língua em geral, pois a consciência fonológica permite o desenvolvimento de um vasto conjunto de habilidades que favorecem a reflexão sobre as diferentes partes sonoras das palavras. Com o desenvolvimento dessa consciência, os alunos conseguem manipular as sonoridades intencionalmente. O trabalho se iniciou com a apresentação de um trava-línguas, “O rato roeu a roupa do rei de Roma”. Questionei se já conheciam, interpretaram oralmente, fizemos recitações ora com meninos, ora com as meninas, expliquei como era chamado esse gênero, qual o objetivo de se falar os trava-línguas e como poderíamos desenvolver atividades sobre eles. No sentido de envolver família e escola nesta proposta de trabalho, encaminhei uma ficha para casa onde deveriam escrever um trava-línguas conhecido pela família. Os alunos trouxeram diferentes trava-línguas, recitaram para os colegas e para outras turmas que foram convidadas. Com a intenção de ampliar o trabalho com o gênero, organizei atividades que tornassem mais interessantes e lúdicas as recitações, transformando o momento em aprendizado e prazer, como aponta Didonet ([2002], p. 94): “A ludicidade é uma característica essencial da criança. Tudo para ela é um jogo. O brinquedo é sua forma própria de relacionar-se com o mundo. Pelo brinquedo, ela mergulha no significado dos objetos e das situações, apreende-os, incorpora os ao seu conhecimento e a seu mundo. Brincar é a coisa mais séria, a atividade mais absorvente da vida de uma criança. É brincando que ela se desenvolve física e psiquicamente. Todas as atividades educativas em instituições devem ter um caráter lúdico.”. Durante as preparações em sala, sugeri a confecção de telefones sem fio com potes de iogurte. Esses telefones seriam usados para as recitações em duplas. Também propus a elaboração de um microfone de jornal, para recitação individual. Foi impressionante o resultado, pois alunos que tinham timidez logo se superaram, e a dicção deles avançou muito. Desenvolvemos atividades interpretativas com vários trava-línguas, inicialmente com cartazes, onde identificavam as palavras chave, número de letras, sílabas, as rimas, trava-línguas fatiado, e, logo após, atividades no caderno envolvendo outras disciplinas com pesquisas e atividades relacionadas.Uma dessas atividades, por exemplo, envolveu os animais, suas características, locomoção, alimentação e habitat. Outra foi associada aos meios de comunicação e transporte. Os trava-línguas também foram trabalhados em situações problemas de adição, subtração, horas, números ordinais e racionais. As recitações eram constantes em sala, no intervalo e em casa, conforme relatos de mães: “o brincar” com os trava-línguas fez a diferença no aprendizado dos alunos. Outra atividade que facilitou muito as recitações de trava-línguas foi à brincadeira de roda “Ciranda Cirandinha”. Ao final da brincadeira, os alunos recitavam trava-línguas ao invés dos versos da cantiga de roda, possibilitando aumento no repertório de cada um.Ao final da recitação, foi feita a confecção de uma coletânea dos trava-línguas trazidos pelos alunos. O livro “Quem lê com pressa tropeça”, de Elias José, serviu como fonte inspiradora para que eles produzissem trava-línguas de sua autoria. Todos os dias liam um trava-línguas do livro e diziam que poderiam criar outros com letras que quisessem do alfabeto. Dessa forma, as crianças foram criando trava-línguas, e, em sala fomos organizando os mesmos quanto à escrita, rimas, acentuação e sobre a informação transmitida pelos trava-línguas. Propus a eles um duelo de trava- línguas com outras turmas. Aceitaram, e trabalhamos com outro gênero textual – o convite – que foi aceito. Todo esse trabalho de leitura, escrita e oralidade foi muito proveitoso, principalmente para refletirmos sobre os erros na pronúncia, que poderíamos melhorar continuamente, tanto nos momentos de leitura e escrita, quanto nos momentos de oralidade nas recitações. Essas atividades interativas possibilitaram aos alunos um momento único, pois além de estarem brincando e aprendendo ao mesmo tempo, puderam socializar conhecimentos e resgatar o espírito de solidariedade, companheirismo e respeito. Outro ganho importante foi à valorização do gênero textual trava-línguas e o reconhecimento pelos alunos e famílias, como uma das manifestações importantes da cultura popular brasileira. A valorização da cultura oral possibilitou a todos uma reflexão profunda sobre a língua portuguesa e seus usos. Além de dar valor à importância do ler e escrever para si e para o outro, compreenderam que a cultura oral como herança que não se pode esquecer. Outro aspecto que todos consideraram importante foi que, com o desenvolvimento da fala, as capacidades de leitura e escrita melhoraram muito também! Ou seja, nossa língua portuguesa tem valor em seu aspecto formal, mas não vive nem se renova sem a cultura popular, sem seus usos no dia a dia. Escola Fazenda Miya-Polo, Dourados, Mato Grosso do Sul, 2016