Orgulho de ser bibliotecária!

Maria Célia Tonon fala sobre a relevância do papel das bibliotecas no processo de ensino e aprendizagem, em todos os níveis Devoradora voraz de livros desde a infância, Célia (como gosta de ser chamada) trabalhou por 23 anos na Biblioteca Florestan Fernandes, da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP. Hoje, atua em uma ONG de Educação e organiza acervos particulares. A convite da Plataforma, falou sobre a profissão de bibliotecário, a importância dos livros para a Educação e sobre políticas públicas do âmbito da leitura: O que a levou a escolher a profissão? Eu sempre quis uma profissão que envolvesse o trabalho com a Literatura e as Línguas, que são as áreas que sempre me atraíram, provavelmente porque desde criança cultivei o hábito da leitura, incentivada por meus pais. Então fiz dois cursos na USP: Letras (Linguística e Português), e depois Biblioteconomia. Unindo as duas coisas, trabalhei por 23 anos na Biblioteca de Letras da FFLCH-USP. Ao longo de sua carreira, certamente houve momentos marcantes. Qual deles você compartilharia com nossos leitores? Acho que o momento mais marcante para mim foi quando um cliente, Roberto Duailibi, da agência de publicidade DPZ, para quem trabalho há anos em sua biblioteca particular, ao fazer seu discurso de posse na Academia Paulista de Letras, falou sobre a importância dos profissionais de biblioteconomia e das universidades que formam esses profissionais. Numa instituição como a Academia Paulista de Letras, e diante de tantas pessoas importantes ligadas à área do livro e da leitura, esse reconhecimento e essa homenagem foram marcantes e inesquecíveis. Qual o papel das bibliotecas no ensino aprendizagem? Como desenvolver um trabalho integrado ao projeto escolar? É indiscutível a relevância do papel das bibliotecas no processo de ensino e aprendizagem em todos os níveis, desenvolvendo projetos integrados ao programa escolar. Dessa forma, a biblioteca se torna o apoio técnico-pedagógico dos professores, com ações dinamizadoras das disciplinas escolares, constituindo uma complementação e trabalhando de forma colaborativa com a instituição escolar. Há infinitos recursos que podem ser disponibilizados para alcançar efetivamente esse objetivo, considerando-se as possibilidades da escola e a criatividade do profissional bibliotecário, que deve, entre outras inúmeras ações, participar da construção do projeto político-pedagógico da escola. A biblioteca atua, para dar um exemplo, orientando os alunos no desenvolvimento da pesquisa, uma prática pedagógica constante nas escolas, definindo o que pesquisar, como pesquisar, como fazer a coleta de informações e a integração e seleção dessas informações.   Para ilustrar, temos o caso de três pesquisadoras, na Austrália, que resolveram investigar de que maneira professores e bibliotecários trabalhavam juntos durante o processo de pesquisa escolar, observando um projeto desenvolvido numa escola. Elas definem essa colaboração como uma “relação de trabalho, baseada na confiança entre dois ou mais participantes envolvidos na criação de estratégias didáticas destinadas a aperfeiçoar a aprendizagem dos alunos em todas as áreas curriculares”. Os professores e os bibliotecários tinham um objetivo comum: desenvolver estratégias que evitassem que os alunos apenas reproduzissem, como cópias, trechos encontrados em suas pesquisas. Os resultados da investigação foram apresentados em 5 categorias:

  1. Cultura Escolar: a existência de uma cultura de colaboração na escola é considerada um pré-requisito para que projetos conjuntos ocorram.
  2. Atributos dos Colaboradores: entre professores e bibliotecários deve haver confiança, empatia, respeito, flexibilidade e capacidade de ouvir e compartilhar: fatores muito influentes para o sucesso das atividades.
  3. Comunicação: a importância de interações informais para propiciar a comunicação efetiva, aberta e frequente.
  4. Administração: ter clareza de que professores e bibliotecários exercem funções diferentes, complementares.
  5. Motivação: percepção de que a atividade colaborativa enseja o próprio desenvolvimento profissional do participante; essa forma de trabalho costuma levar a mudanças, a inovações e ao aperfeiçoamento das próprias práticas.

O êxito do projeto fez com que os bibliotecários tivessem mais visibilidade nas escolas e fossem vistos como peças-chave na aprendizagem. As pesquisadoras constataram que os bibliotecários foram os maiores estimuladores dos projetos, tendo conseguido o aval dos diretores e da equipe escolar, como coordenadores e supervisores. Eles foram considerados como agentes de mudança da cultura escolar. Qual é o papel das bibliotecas no desenvolvimento social da comunidade do entorno? Para que uma biblioteca tenha um papel importante no desenvolvimento social da comunidade a que pertence, alguns passos devem ser seguidos. O primeiro seria a elaboração de um mapeamento do entorno da biblioteca, identificando coletivos e instituições; um trabalho similar mesmo ao de um cartógrafo, entendendo-se que esse entorno não é apenas geográfico, mas dinâmico e significativo. Em seguida, pensar sobre como poderia ser a atuação da biblioteca influenciada por ações culturais e sociais daquela região da cidade. A partir disso, é indispensável construir relações institucionais e estratégias criativas para aproximar a biblioteca dos potenciais usuários e atrair os usuários para os serviços oferecidos pela biblioteca, analisando o impacto desses serviços na comunidade.  Essas estratégias devem ser criadas com um objetivo fundamental: favorecer o maior acesso e o gosto pela leitura nas bibliotecas; contaminar, mais do que convencer o público sobre os benefícios da leitura e da utilização dos serviços da biblioteca. Ao mesmo tempo, deve-se buscar o conhecimento sobre o usuário. Após o mapeamento do entorno e da análise da comunidade, já se têm condições de delinear os tipos de pessoas que a biblioteca vai atender e das quais a biblioteca vai se aproximar (os cursos de Biblioteconomia e Ciência da Informação mantém no currículo uma disciplina que trata especificamente do “Estudo do Usuário”). A formação do acervo e das coleções a serem disponibilizadas devem receber uma atenção especial, sendo constituídas em conformidade com o tipo de usuário daquela comunidade. Essas ações, além de proporcionar aos que trabalham na biblioteca um sentido de verdadeiro pertencimento, equivale a tirá-la de uma posição individual, fechada em si mesma, e integrá-la aos movimentos da comunidade, fazendo com que ela ganhe as ruas, as praças, as escolas, os hospitais, o comércio, as lideranças locais e as ações sociais e culturais da comunidade. Dessa forma, a identidade da biblioteca passa a ser dada pelas suas relações sociais. A elaboração de estratégias e ações integradas para alcançar a comunidade e a criação de meios eficazes para o atendimento ao público passam a ser a própria lógica de funcionamento da biblioteca.   A Lei 12.244 (2010) dá dez anos para que todas as escolas tenham bibliotecas com bibliotecários, mas temos hoje o seguinte quadro:  21 600 bibliotecários para 200 000 escolas de educação básica, o que fazer? Em maio de 2010 foi criada a Lei nº 12.244, que determina que todas as escolas, públicas e particulares, tenham uma biblioteca e um profissional bibliotecário, para que os materiais sejam devidamente organizados e disponibilizados aos alunos. A lei define também a exigência mínima de um livro por estudante para que a escola inicie sua biblioteca. Para que isto se concretize e se torne realidade, foi dado um prazo de 10 anos. Diante do fato de que, em 2017 temos no Brasil 21,6 mil profissionais formados em Biblioteconomia e 200 mil escolas de Educação Básica, é claramente impossível que a Lei seja cumprida: temos uma defasagem de 178 mil bibliotecários. Acrescente-se a isso o fato de que duas leis federais determinam que apenas pessoas formadas em Biblioteconomia possam trabalhar como bibliotecários. O próprio texto da Lei 12.244 diz que “os sistemas de ensino do País deverão desenvolver esforços progressivos para que a universalização das bibliotecas escolares, nos termos previstos nesta Lei, seja efetivada num prazo máximo de dez anos, respeitada a profissão de Bibliotecário”. Por outro lado, na falta de profissionais graduados em número suficiente para assumir a função, cresce a procura por profissionais de nível médio (Técnicos em Biblioteconomia) para atender as bibliotecas ou os centros de documentação e informação, públicos ou privados, na rede escolar ou universitária, nas instituições culturais, no âmbito comunitário, nas indústrias e outros. Hoje vários cursos no país formam esses técnicos. Embora não haja ainda regulamentação para a profissão de tecnólogo, o Projeto de Lei nº 6038/2013, que trata dessa regulamentação, já foi aprovado no Congresso Nacional e aguarda aprovação do Senado. Ainda que seja aprovada a Lei que regulamenta a profissão, as atribuições do técnico não são as mesmas do bacharel e é exigida a supervisão do bacharel para a atuação do técnico. Segundo o Conselho Regional de Biblioteconomia, somente o bacharel, com registro no CRB, pode responder por uma biblioteca. Do mesmo modo, a pós-graduação em Biblioteconomia em qualquer nível (especialização, mestrado ou doutorado) não habilita uma pessoa a exercer a profissão. Somente o bacharelado dá o direito ao exercício da Biblioteconomia. Temos, portanto, estabelecida uma polêmica: se apenas bibliotecários formados podem administrar as bibliotecas, isto equivale a dizer que as bibliotecas nas escolas continuarão fechadas por muito tempo ainda. Por outro lado, as bibliotecas escolares deveriam ser abertas e disponibilizadas, administradas por técnicos em biblioteconomia?   Diante disso, seria necessário que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia do MEC responsável pelos programas do livro didático e da biblioteca da escola, em conjunto com as Secretarias de Educação, criassem e administrassem políticas públicas no sentido de viabilizar o funcionamento das bibliotecas. Uma possível solução seria que um bibliotecário supervisionasse, ao mesmo tempo, o trabalho de vários técnicos, em diversas bibliotecas escolares, minimizando assim a necessidade de um profissional bacharel em cada uma delas. Desse modo, um bibliotecário poderia se responsabilizar pela coordenação, orientação e supervisão das bibliotecas escolares de um bairro ou de uma região, e os técnicos em biblioteconomia desenvolveriam os trabalhos voltados à disponibilização dos livros e outros materiais, sua consulta, circulação, etc. A flexibilização do corporativismo entre os bibliotecários, aliada à realização de algo tão importante e fundamental para a escola, como a existência e o efetivo funcionamento das bibliotecas escolares, pode ser um fator dos mais relevantes para que sejam atingidos os objetivos e as metas que conduzem à melhoria da Educação no país.