Entrevista: Rafael Andrade, da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias

No mês de setembro foi realizado o quarto encontro nacional Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias junto ao XI Encontro do Programa Prazer em Ler, do Instituto C&A. A iniciativa foi finalista do Prêmio IPL do ano passado e tem por objetivo promover a formação de leitores e desenvolver o gosto pela leitura, por meio de ações continuadas e sustentáveis e de articulações com distintos agentes envolvidos com a leitura no Brasil. Para saber mais detalhes sobre os assuntos debatidos no evento e os desdobramentos deles, os jornalistas da Plataforma Pró-Livro conversaram com Rafael Andrade, mediador de leitura da Biblioteca Popular do Coque, integrante da Rede Releitura e da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias. Veja o que ele disse: Plataforma Pró-Livro: Quais são as principais mobilizações políticas nas quais a Rede está envolvida e quais foram as principais conquistas no que diz respeito a avanços em políticas públicas do livro e da leitura nos últimos anos? Rafael: Um dos alicerces da Rede Nacional é a sua atuação para construir e influenciar políticas públicas nos municípios e estados em que a Rede tem bibliotecas, além de articular ações nacionais para pleitear políticas públicas com orçamento, que contemplem também as bibliotecas comunitárias. Assim a RNBC vem fortalecendo suas bibliotecas e mobilizando diversos atores da cadeia do livro e da leitura, dentre eles escritores, contadores de histórias, bibliotecários, a universidade, leitores para a construção de políticas públicas.  Em 2006, na área de políticas do livro e da leitura  houve um avanço já que nesse ano foi instituído o decreto do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). O Plano  tinha diretrizes para uma política pública voltada à leitura, literatura, fomentava também a criação de planos municipais e estaduais.  Atualmente o PNLL está inserido no projeto de lei da Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), de autoria da senadora Fátima Bezerra.  O Plano tem como autor  intelectual o José Castilho Marques Neto (por isso também é chamada “Lei Castilho”), ex- secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). Nesta política há diretrizes para garantir a universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura, além da  democratização do acesso a leitura por meio de bibliotecas de acesso público. Com este atual cenário, a Rede Nacional está voltada a fortalecer suas redes de bibliotecas locais, para que estas possam elaborar e implementar seus planos municipais e estaduais com orçamento para as bibliotecas comunitárias. A RNBC também está focada e atuando para fomentar diversos atores, suas bibliotecas para que o PNLE seja aprovado. Plataforma Pró-Livro: O que o encontro nacional da rede mostrou aos participantes? Rafael: Este encontro nacional foi o quarto da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias e foi realizado junto ao XI Encontro do Programa Prazer em Ler, realizada pelo nosso principal parceiro institucional, o Instituto C&A. Em época de desmonte das políticas públicas e dos direitos básicos do cidadãos é imprescindível unirmos forças para agir e os encontros nacionais têm esse objetivo. Esta edição não só serviu para integrar e estreitar os laços das bibliotecas da RNBC, como apontou o quanto é importante estarmos juntarmos com outros movimentos que atuam no país. Isso foi perceptível aos participantes com a mesa intitulada “Diálogos inspiradores sobre redes”, na qual participaram representantes da Rede Nacional da Primeira Infância,  Levante Popular da Juventude, Rede de Mulheres negras do Nordeste e Casa da Mulher do Nordeste. Em suas falas todas esses movimentos dialogaram com as lutas da Rede Nacional, principalmente no movimento de garantia dos direitos humanos. Este encontro também foi de extrema importância para refletirmos o atual contexto da política nacional e assim incidirmos com mais potência e foco nas políticas públicas voltadas para o livro, literatura e bibliotecas. A Rede atua e entende a literatura como um direito humano, por isso, no último dia do encontro, aconteceu uma aula pública, na Escola João Bezerra, na comunidade de Brasília Teimosa, com o Professor Aldo Lima, da UFPE, estudioso de Antônio Cândido, este que sempre lutou e produziu diversos estudos sobre a importância da Literatura como um Direito Humano. Com esta ação os integrantes da RNBC perceberam que é primordial ocupar cada vez mais às ruas, vielas e becos do Brasil para estar com as comunidades de periferia e a universidade debatendo a literatura como um direito humano e disseminando conhecimentos sobre às políticas públicas para o livro e à leitura literária. Plataforma Pró-Livro: Quais ações realizadas nas bibliotecas participantes merecem destaque e podem ser replicadas em outras instituições participantes? Rafael: A RNBC está hoje presente em nove estados brasileiros – São Paulo, Pernambuco, Pará, Rio de Janeiro, Maranhão, Ceará, Porto Alegre, Bahia e Minas Gerais- em cada espaço da Rede há uma relação peculiar da biblioteca com a sua região e os seus públicos. Porém uma ação que é comum a esses espaços são atividades fora dos portões da biblioteca, com mediação de histórias, rodas de leitura, saraus, ações nas escolas, comércios e espaços públicos próximas as bibliotecas. Essas atividades são realizadas para enraizar e fortalecer o vínculo com a comunidade. Essa ação de ocupar as ruas e esses ambientes pode ser replicada em outras instituições, respeitando assim relação e as necessidades de cada biblioteca. Um ponto importante é que cada biblioteca realiza atividades de acordo com o seu público. Há sempre a construção das programações das atividades com a participação ativa da comunidade. Nas bibliotecas tradicionais ainda não há uma efetiva participação dos leitores na construção de uma biblioteca viva, que atende, acolhe e interage com seu público. Por isso é importante que cada biblioteca enxergue e estabeleça uma relação de troca e participação com o seu público. Plataforma Pró-Livro: Quais são os principais desafios encontrados pelas bibliotecas comunitárias hoje? Ele mudou no decorrer dos anos? Rafael: Muitos gestores públicos têm em seus discursos a preocupação com a educação e a leitura, porém poucos são o que cumprem o que apresentam em épocas de campanha e muitos ao assumirem seus cargos públicos não destinam e nem lutam por verbas justas para estas pastas. Assim o descaso com as bibliotecas atinge não só as comunitárias, que atualmente têm pouquíssimos editais de fundos privados e públicos para a promoção da leitura e sua manutenção,  como é perceptível  também que cada vez mais temos um mínimo de recursos para as bibliotecas públicas, algumas chegaram a fechar as portas, também não há uma assistência para as bibliotecas escolares, que hoje estão paradas e com estruturas precárias.  Outro retrocesso foi a retirada da disciplina da Literatura como uma disciplina obrigatória do Currículo do Ensino Médio ( a sua retirada só piorou ainda mais o interesse pela leitura literária). A bibliotecas comunitária além de sofrer com o descaso referente ao incentivo à leitura, ela está inserida em regiões de periferia e comunidade com vivência praticamente a presença do Estado só na figura da polícia e cada vez menos a promoção da cultura em suas diversas faces. As principais mudanças vieram no empoderamento das bibliotecas comunitárias perante a esse contexto no qual estão inseridas. Hoje os integrantes das bibliotecas estão ocupando espaços de discussões e de tomada de decisões nas comunidades, municípios e estados. Ocupando cadeiras nos conselhos de cultura e literatura, alguns municípios já aprovaram Planos Municipais do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, outras redes estão começando a articular Planos Estaduais do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, como é o caso da Releitura – PE. A mudança está nisto, cada vez mais a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias vem incidindo politicamente e trazendo a comunidade para construir junto, para que todos lutem pelo direito ao acesso à literatura e à informação. As bibliotecas comunitárias são espaços de força, acolhimento e resistência. Plataforma Pró-Livro: Que tipo de ações desenvolvem para atrair cada vez mais pessoas para o espaço da biblioteca? Rafael: São realizados saraus, conversas com escritores dentro das bibliotecas, malas de leitura, oficinas, rodas de conversa, clubes de leitura. Plataforma Pró-Livro: Poderia contar as principais conquistas dos dez anos de atuação da Rede Releitura? Rafael: As principais conquistas da Releitura estão no reconhecimento das comunidades perante suas ações, seja nas mediações de leitura realizadas dentro das bibliotecas, seja nas ações de incidência política. Atualmente dois integrantes da Releitura ocupam democraticamente a cadeira do Conselho de Cultura de Pernambuco, como titular e suplente, e isso é de extrema importância, pois antes o conselho era ocupado por pessoas com notório saber desde a ditadura militar. Atualmente estamos com essa responsabilidade de discutir os interesses de toda a cadeia cultural em Pernambuco. Outra grande conquista nos nossos 10 anos foi a eleição, em 2016, de uma representante nossa no Grupo de Trabalho para a construção do Plano Estadual do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, em que já foram encerradas o período de escutas para a construção do texto do PELLLB e já estamos na sistematização do que foi colhido.