Do urro à palavra escrita: a origem da narrativa humana

Artigo de Christine Castilho Fontelles, coordenadora da campanha Eu Quero Minha Biblioteca Hoje o assunto é tecnologia. Tecnologia é, com certeza, uma das palavras mais faladas, lidas, escritas e ouvidas dos últimos tempos. A palavra tecnologia tem origem no grego “tekhne” que significa “técnica, arte, ofício”, juntamente com o sufixo “logia” que significa “estudo”. Já a palavra PALAVRA é um termo proveniente do latim “parabola” que, por sua vez, vem do grego “parabolé”, podendo ser definido como um conjunto de sons de um idioma que expressam a ideia associada a ele. Feche os olhos e imagine nosso ancestral mais mais distante… O primeiro hominídeo, o australopiteco, que teria vivido há cerca de 4 milhões de anos. Este parente distante emitia sons. Mas daí a falar vai uma longuíssima história, só possível graças a uma evolução muito sofisticada na fisiologia humana, envolvendo a morfologia das vias respiratórias e centros cerebrais. Como a oralidade não deixou evidências cientificamente comprováveis, é quase impossível precisar o tempo entre a possibilidade de emitir urros até a voz articulada pelas palavras. Essa tecnologia, o falar, levou milhares de anos até atingir pleno êxito. Bom, começamos como espécie, a articular palavras oralmente. Mais milhares de anos se passaram para adquirirmos a tecnologia da escrita. Origens da escrita As manifestações de escrita datam de 6 mil anos A.C. O poeta Manoel de Barros (1916-2014) escreveu, em seu livro Memórias inventadas, que “…Eu aprendera que as imagens pintadas com palavras eram para se ver de ouvir…” A palavra escrita é o traço revelador das ideias, das intenções, dos assombros, das coisas, das paixões, dos medos, das alegrias, do que foi, do que é, do que virá a ser. Cheios de palavras, experimentamos muitas e diversas tecnologias para registrar e expor nossas palavras. Os suportes da escrita: osso, argila, pedra, linho, cera, pergaminho, papiro, papel. Os recursos da escrita: as tintas, expositoras das palavras, dos pigmentos naturais aos industrializados. Os instrumentos da escrita: os dedos das mãos, lascas de ossos, penas de aves, penas metálicas, canetas. Até que chegou a tecnologia que revolucionou o acesso aos livros: a prensa dos tipos móveis, da China até a Europa de Guttenberg, cuja invenção possibilitou a impressão em larguíssima escala, como nunca jamais visto antes. Estávamos, então, no século XV, quando a civilização era composta por esmagadora maioria de analfabetos. Segundo consta, apenas cinquenta anos após o feito de Gutenberg, 13 milhões de livros circulavam em uma Europa de 100 milhões de habitantes. O que a tecnologia da prensa móvel de Guttenberg promoveu foi a exponencial abrangência de partilha do texto escrito, além do fim do monopólio do latim para a comunicação escrita, cujo domínio estava basicamente circunscrito ao clero. Os textos passaram a ser escritos na língua vernacular – “vernáculo é o nome que se dá ao idioma próprio de um país, de uma nação ou região; é a língua nacional. Vernáculo é utilizado sempre para designar o idioma puro, utilizado tanto no falar, como no escrever; sem utilizar palavras de idiomas estrangeiros”. A prensa e a imprensa inauguraram, também, a ampliação das BIBLIOTECAS, e estas ampliaram ainda mais a abrangência do acesso aos livros. Então a pergunta não é se precisamos de bibliotecas, mas de quais bibliotecas precisamos para promover uma jornada de formação leitora e escritora de qualidade para todos. Uma não vive sem a outra. E que esta jornada seja pautada por leituras formativas, com especial atenção à literária. Como disse Pedro Bial em recente entrevista com Jô Soares: mais do que de fatos, precisamos do fabuloso. Precisamos profundamente de leituras de obras que transcendem o lugar e o senso comum, que nos põe a indagar a vida, que ampliam nossos horizontes de pensamento, para muito além das superficialidades que trafegam pelas mídias, que ativam a razão intelectual e a razão sensível: condição sine qua non para pensarmos e atuarmos em favor da vida digna e de qualidade para todos; promover o mínimo de dano e o máximo de bem. Enquanto por aqui se discute interminavelmente a importância da leitura e da biblioteca… outros vão muito além: no distrito cultural de Binhai, em Tianjin, China, recentemente foi inaugurada uma biblioteca fantástica: denominada “O olho de Binhai”, cobre 34 mil metros quadrados e pode armazenar até 1,2 milhões de livros. Detalhe: IMPRESSOS. Lá, caminha-se entre livros, literalmente, livros à mão cheia, como queria Castro Alves. Invista nas bibliotecas nas escolas! Acredite: essa tecnologia chamada linguagem humana, aprimorada de geração em geração e que vem possibilitando o compartilhamento, propiciando a produção e partilha de novos conhecimentos, tecnologias e ficção, por meio da tecnologia palavra escrita, precisa de boas bibliotecas públicas, com especial destaque para as BIBLIOTECAS EM ESCOLAS, que é por onde circulam todos os dias crianças, jovens, professores, famílias, comunidades. Para tal é fundamental que gestores públicos se responsabilizem em criar e manter esta política pública por meio de recursos públicos destinados à educação e cultura e recursos do orçamento dos municípios e estados, porque leis e direitos só saem do papel com empenho de orçamento, de outra forma são só “letra morta”, como se costuma dizer. Para tal, o engajamento da sociedade civil, passando por mim e por você, é imprescindível, o que demanda de cada um de nós conhecer estes recursos, os caminhos concretos de incidência e a importância e responsabilidade que têm para efetivar Leis e direitos pelas mesmas razões: a gestão pública se mobiliza na medida em que grupos organizados de cidadãos atuam e cobram as políticas públicas. A ação política não se faz só, sem constituição de coletivos, sem traçar uma rota de incidência e nem com pressa. A ação política é a dimensão da ação humana que concretiza nossos sonhos por um mundo melhor aqui e agora, no chão que a gente pisa. No site da Campanha Eu Quero Minha Biblioteca, que atua pela universalização de bibliotecas em escolas (ausentes em 55% das escolas públicas, ou seja, mais de 80 mil escolas), você encontra boas orientações sobre como pode atuar em estreita interlocução com gestores da educação e com o poder público. Aliás, com o nascimento de um novo ano nasce também uma nova oportunidade para você atuar por bibliotecas em escolas no seu município: Veja se no orçamento previsto para este ano há recursos destinados para bibliotecas em escola. Onde procurar: site/portal de transparência dos municípios, diário oficial, junto ao secretário de educação/prefeito para assegurar recursos para bibliotecas em escolas na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2019. Clique para conferir o passo a passo. Então, bora seguir a máxima de Castro Alves e atuar por bibliotecas à mão cheia: com boa infraestrutura, acervo diversificado e de qualidade e permanentemente renovado, bons profissionais formados para realizar bom atendimento e planejamento de leituras para públicos diversos. Faça isso hoje, porque amanhã já é futuro!