Relato de experiência: Canela Borges, do Contos de Garagem

Leia o depoimento emocionante de Canela Borges, fundadora do projeto de leitura Contos de Garagem, que que deseja tornar acessível e prazeroso o contato com a leitura para conectar pessoas, famílias, amigos e vizinhos Desenvolver o modelo do Contos de Garagem como ele está hoje partiu de muitas inquietações sobre os limiares entre educação e cultura. Tive a oportunidade de atuar nos dois caminhos. Na educação, atuei desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. Atuando como produtora cultural, atuei em projetos de dança e em grupos musicais cujo repertório era bem eclético. Não conseguia compreender como dois caminhos tão importantes para a construção de um indivíduo pleno poderiam ter se separado desde a Revolução Industrial. Por ter acompanhado o desenvolvimento de muitos alunos desde a infância até o início de sua adolescência o quanto aquela criança, à medida que crescia, se afastava dos livros e da leitura. Na fase da alfabetização, o encanto pelas letras está presente, mas em algum momento esse pacto afetivo com a leitura desaparece e se torna uma experiência fria, obrigatória e massante. O resultado disso era percebido no Ensino Médio, quando uma das principais atividades de um professor de história é ajudar seus alunos a interpretarem diferentes versões sobre o mesmo fato. Essas nuances da leitura crítica eram nulas. Sentia-me frustrada com isso, pois sentia que o processo escolar afastava a curiosidade e o desejo de aprender. E sem esses dois ingredientes, fica muito difícil obter bons resultados. No trabalho com a produção cultural, participei de muitos debates sobre gratuidade de espetáculos, contrapartidas sociais e pouca adesão do público para usufruir desses espaços e conteúdos oferecidos. É muito frequente o termo “formação de público” para dizer que se um espetáculo oferecido em determinado espaço, gratuitamente, não tem adesão da população porque ele, teoricamente, não está pronto para consumir isto, para absorver esta ou aquela expressão. Nesse período percebi que não era possível responsabilizar ninguém. E se seu quisesse mudar de alguma forma esse cenário, deveria reunir a experiência na educação com as inspirações criativas na área cultural e direcionar esta energia para expressões complementares e que fossem um portal para uma transformação maior: a leitura e a narração de histórias. Momentos marcantes É recorrente o número de pessoas que me procuram para agradecer pelos momentos que elas vivenciam junto às pessoas que elas sequer conheciam.  Graças às histórias compartilhadas durante os encontros, elas percebem a importância de desligar-se das redes sociais e entrar em contato com outras pessoas que lêem, sonham e se emocionam tanto quanto elas ao assistir uma criança, de 4 anos, contar do jeito dela a história da Chapeuzinho Vermelho. Não se trata de falar de leitura, pela leitura, é por tudo o que ela pode proporcionar de transformações sutis em nossa vida e que não são ensinadas na escola. Isso me mantém firme no propósito de continuar a divulgar a nossa metodologia para outros vizinhos, Brasil à dentro. Aprendizados A minha percepção de trabalho, transformação e colaboração mudaram totalmente desde que iniciei o Contos de Garagem. Existe uma frase atribuída a Arthur Ashe que resume muito bem essa reflexão que faço ao relembrar o nosso processo. A frase é a seguinte: “A verdadeira grandeza é começar onde você está, usar o que você tem e fazer o que você pode“. Transformações Sou capaz de sentir dois movimentos muito importantes nos grupos do Contos de Garagem: um país leitor é, antes de tudo, formado por indivíduos leitores. Indivíduos leitores podem sonhar outras realidades possíveis para a sua vida, consequentemente, tem capacidade de se colocar na pele de outras pessoas e exercer melhor a empatia e a compreensão de realidades diferentes da que ele vive. Quando se faz esse movimento, encontrar outras pessoas que também acreditam nisso ganha muito mais potência. Tivemos recentemente um encontro de comemoração de 2 anos do Contos de Garagem em Itanhaém e é impressionante ver as crianças crescendo e entendendo que isso faz parte da rotina delas e, segundo relato dos próprios pais, preparam-se durante a semana para apresentar uma história para os seus amigos. Eu fico emocionada com tudo isso!