Por Marisa Lajolo*
Em consulta rápida à internet, encontra-se o que lá se define como leitor:
1. ” (…)aquele que lê para si, mentalmente, ou para outrem, em voz alta, textos
escritos; (…) 2. (…) aquele que tem o hábito de ler”.
Ambas as definições, bem curtinhas e de fácil compreensão, não são
muito diferentes – na verdade, são até um pouco mais elaboradas – do que a
resposta que se teria se se fizesse a pergunta como você definiria um leitor?
ou o que é um leitor, para você? por exemplo, a jovens na porta de uma
faculdade.
É sobre esta fascinante e tão discutida figura de leitor, envolvida com
textos escritos e leituras, que se debruçam -há dezenove anos- as várias
edições da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, cujos resultados mais
recentes são agora divulgados.
Seguindo padrões internacionais (CERLALC/UNESCO) – o que permite
comparação de seus resultados com outros resultados da América Latina – a
pesquisa refina e detalha a identidade do leitor brasileiro, estabelecendo um
critério extremamente objetivo para definir quem, na pesquisa, será
considerado leitor e quem será considerado não leitor.
Dos 8076 brasileiros maiores de 5 anos entrevistados entre 28 de outubro
de 2019 e 13 de janeiro de 2020, foram considerados leitores aqueles que
declararam ter lido um livro, inteiro ou em partes, nos 3 meses imediatamente
anteriores à pesquisa.
O número deles (na amostra) soma 4.270, um pouco menor do que o
registrado pela pesquisa anterior. De 56% de leitores em 2015, passa-se a
52% em 2019.
A pesquisa é extensa, muito detalhada e muito cuidadosa.
Ela ensina, por exemplo, que os leitores brasileiros leem mais em casa do
que em qualquer outro lugar ( aí incluídas escolas e bibliotecas ), que nem
sempre têm tempo para ler, que falta paciência para leituras mais alongadas,
que grande parte deles começa a leitura de um livro e a larga, que muitos
releem partes de um livro e muitas vezes releem repetidamente o mesmo livro
…
Enfim, essas são as vozes que, quando ouvidas, geram preocupação
relativa à falta de leitura do brasileiro.
A este quadro, que tem algumas pinceladas efetivamente negativas, a
pesquisa também nos oferece outro, muito sugestivo para o delineamento de
projetos voltados para difusão e aprimoramento de práticas de leitura. A partir
das respostas dos entrevistados, foi possível estabelecer uma subclasse de
leitores: os leitores de literatura.
Vamos a eles. O que dizem eles?
Dentre os 8076 brasileiros que constituem a mostra da pesquisa e dentre
os 4.270 considerados leitores, 2.335 são considerados leitores de literatura.
Eis aí um tópico da pesquisa que provoca reflexões. Quando lhes foi
perguntado o que estavam lendo nos arredores da época da pesquisa, estes
considerados leitores de literatura deram respostas bastante surpreendentes.
Exemplos?
Cá segue um deles: dentre os títulos mais citados destacam-se: Bíblia, O
pequeno Príncipe, Diário de um banana, Harry Potter, A cabana, A culpa é das
estrelas, D.Casmurro, Cinquenta tons de cinza, Branca de Neve e os sete
anões, Turma da Mônica
A liderança da Bíblia entre os títulos mencionados como preferidos não
surpreende. Além disso, o destaque de que desfruta corrobora resultados de
pesquisa da Câmara Brasileira do Livro (CBL) relativa a 2018 (1), que registra
livros religiosos como o gênero que ocupa o segundo lugar em títulos editados,
com 87.061.285 exemplares (a categoria livros religiosos perde apenas para
didáticos). Os demais títulos citados pelos leitores podem ser classificados
como literatura, no que continuam a replicar-se as pesquisas do IPL e da CBL.
Do ponto de vista da produção editorial, ao tema religião segue-se literatura.
Subdividida entre adulta (26.403.505 exemplares), infantil (13.538.265
exemplares), juvenil (6.267.296 exemplares) e jovem adulto (2.267.296
exemplares) o gênero registra uma tiragem de 48.788.758 exemplares.
Além deste varejo de similaridades entre as duas importantes pesquisas,
também no atacado elas se complementam: o decréscimo no número de
leitores registrado pelo Retratos da Leitura combina com redução de 11.03%
no número de exemplares produzidos,
Deixando os números um pouco de lado e observando mais de perto o
que dizem ler os entrevistados, a discussão pode ganhar fôlego. Chama a
atenção, por exemplo, a heterogeneidade dos títulos elencados.
Logo depois da Bíblia, ficam empatados, num segundo lugar O pequeno
Príncipe, Diário de um banana e Harry Potter.
O pequeno Príncipe, de A.S.Exupery é obra francesa de 1943, lançada no
Brasil em 1954. Tendo caído em domínio público em 2015 teve por aqui várias
reedições, o que seguramente lhe deu considerável mídia. Diário de um
banana, do norte americano Jeff Kinney é de 2007, e na sequência de seu
estrondoso sucesso, gerou uma serie cujo primeiro volume foi lançado no
Brasil em 2009. Harry Potter, da inglesa J.K.Rowling, é de 1997 tendo sido
lançado no Brasil em 2000. Trata-se também de uma série e foi seguido da
inauguração de um parque temático.
Pesquisa realizada pela Câmara Brasileira do Livro em 2018 mostra que,
os livros religiosos representam 24%, a literatura adulta 7% e a infantil, a juvenil e a de jovens adultos, somadas, representam 6.35%.
Entre os dez títulos elencados, perspectiva mais tradicional da noção de
literatura poderia apontar que apenas D.Casmurro pode ser indiscutível e
rigorosamente, considerado obra literária. Mas … como a pesquisa inclui
leitores infantis, Branca de Neve e os sete anões também se identifica como
obra literária passível de ser mencionada pelos entrevistados. O mesmo se
aplicaria à Turma da Mônica, ainda que seu suporte não seja necessariamente
um livro? Sim, pois a pesquisa também registra leitores de literatura que leem
literatura em outros suportes.
Talvez mereça reflexão cuidadosa a absoluta predominância de best
sellers, representados pelos demais títulos mencionados, ao lado da pouca
presença de escritores brasileiros e – exceção feita a Maurício de Sousa – a
frequência ainda menor de autores brasileiros contemporâneos.
Onde estarão eles?
Um outro item de leitura contemplado pela pesquisa, que investiga os
escritores preferidos dos leitores de literatura, pode encaminhar uma resposta.
Aqui se incluem alguns autores brasileiros mais atuais. Os leitores de literatura
elencam como autores de que mais gostam Machado de Assis, Monteiro
Lobato, Jorge Amado, Paulo Coelho, Carlos Drummond de Andrade, Augusto
Cury, Zibia Gasparetto, Maurício de Souza, Clarice Lispector, Alejandro Bullon.
Com exceção de Machado de Assis e Maurício de Souza, nenhum dos
outros tidos como preferidos comparece à lista de leituras em curso ou
recentes. Qual seria o sentido desta discrepância?
A discussão da questão pode ser bastante sugestiva para educadores,
pais e editores. Em outro quesito da pesquisa, os entrevistados dizem que o
que os leva a ler é gosto e busca de distração. Talvez comparando as
respostas dos entrevistados a diferentes questões levantadas pela pesquisa,
encontrem-se – nesta última versão dos Retratos da Leitura no Brasil –
sugestões muito úteis para projetos e campanhas comprometidos com difusão
e aprimoramento de práticas leitoras no Brasil.
(1) Versão mais recente da pesquisa da CBL foi divulgada posteriormente à redação deste texto.
(*) Marisa Lajolo é professora aposentada da Unicamp e professora na Universidade Mackenzie. Este artigo foi publicado originalmente em https://www.quatrocincoum.com.br/br/artigos/politicas-do-livro/os-favoritos