“Mais livros, menos armas”, como fazer?

O grito parado no ar, como a música de Toquinho/Guarnieri de 1973 nos anos de chumbo, eclodiu no último 30 de outubro com a vitória das forças democráticas aglutinadas pela liderança do mais icônico presidente da República de nossa história — Lula, como o povo o chama.

A eclosão, misto de libertação, felicidade moral, esperançar por um país mais justo, equânime, democrático e respeitoso com seus seres humanos e com a natureza, sintetizou-se nos ombros deste senhor de 77 anos que parece carregar nos olhos vivos e nos sentimentos ardentes um compromisso de vida com os excluídos, lugar de sua origem de classe e fonte inesgotável de seu principal objetivo político: fornecer vida digna, três refeições diárias, moradia decente, educação, cultura e trabalho para todos.

Para quem o acompanhou desde quando surgiu como o mais potente líder sindical do ABCD paulista, o crescimento de sua extensão política é visível e confiável, porque coerente com sua trajetória de militante compromissado com as mais profundas causas sociais e humanitárias. Clara Ant, em Quatro décadas com Lula  o poder de andar junto (Autêntica, 2022), traça esse perfil com a honestidade intelectual e o olhar de uma militante de esquerda igualmente de grande caráter e compromisso.

Neste contexto, ganhou força na campanha, e em oposição à necropolítica vigente, a frase que galvanizou milhões de esperanças: “Mais livros e menos armas”. Mais que um slogan, foi um compromisso inadiável pautado pelos direitos humanos. E soou coerente na palavra do ex-presidente que mais incentivou a leitura no país, sintetizados na exitosa implantação do PNLL (Plano Nacional do Livro e Leitura) em 2006, dando início a programas que receberam o maior orçamento da área na Cultura, a interação com a Educação e a coparticipação real da sociedade civil. Um verdadeiro pacto social civilizatório e responsável.

Presidente Lula, há muito por fazer, o esperançar dos milhões de formadores de leitores e leitoras no Brasil está com o olhar voltado para seu compromisso em colocar nas suas prioridades o direito humano à leitura e à escrita. Desde 2016, resistimos e seguimos construindo, sob a pata da destruição fascista, um país de leitores. Esse movimento sintetizou dez propostas do que é preciso fazer. Com milhares de assinaturas no change.com reproduzo-as sem mais delongas:

Comida no prato e livro na mão!

10 Propostas pela Defesa do Livro e ao Direito à Leitura no Brasil:

1. Regulamentar e implantar nos primeiros dias do novo governo a Lei 13.696/2018 que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita/PNLE. Para tanto, é preciso iniciar imediatamente os trabalhos para construção do novo Plano Nacional do Livro e Leitura/PNLL em seu formato decenal no primeiro semestre de 2023, obedecendo o determinado pela lei em suas diretrizes e objetivos, assim como as regras de sua elaboração, garantindo a representatividade da sociedade civil e a criação de um fundo financeiro e condicionalidades para a sua aplicação em estados e municípios;

2. A partir da esfera federal buscar o diálogo para ampliação do grande pacto social em torno da leitura e expresso no PNLL. Isso significa ampliar e incentivar a criação e a implantação de planos estaduais, distrital e municipais do livro, da leitura, da literatura e das bibliotecas, adaptando as grandes diretrizes nacionais à multidiversa territorialidade e características culturais do nosso país, bem como através do incentivo para a instituição de mecanismos de participação e controle social e transparência na efetivação das políticas públicas para a área;

3. Criar, restabelecer e financiar ainda em 2023 programas e ações no âmbito do pacto federativo para priorizar investimentos de criação, modernização e sustentabilidade, principalmente no que tange aos recursos humanos, em bibliotecas vivas de acesso público — públicas, escolares, prisionais e comunitárias. Esta medida, necessária a um país percorrido por inúmeras vulnerabilidades e com uma população com baixo poder aquisitivo, é instrumento imprescindível para democratizar o acesso ao livro e aos diversos suportes à leitura, de forma a ampliar os acervos físicos e digitais e as condições de acessibilidade, desde a primeiríssima infância com recursos para qualificar esta pauta;

4. A mediação da leitura é fundamental para a formação de novos leitores/as. Reivindicamos programas e projetos para estimular, ampliar e fomentar a formação de mediadores/as e promotores de leitura em plataformas digitais, bem como fortalecer ações de estímulo à leitura e às tradições orais e de oralitura. Para tanto, é urgente investir na formação continuada em práticas de escrita e leitura para professores/as, bibliotecários/as, agentes de leitura, contadores/as de histórias, entre outros/as agentes educativos/as, culturais e sociais, e garantir que tenham a oportunidade de registrar seus caminhos e práticas em seus espaços de atuação;

5. Um país de leitores/as precisa ter uma economia do livro forte e independente, insubmissa às conveniências editoriais e financeiras dos grandes centros produtores internacionais, bem como resistente a movimentos de caráter censórios. É preciso promover a bibliodiversidade e dialogar com o mundo editorial de forma ativa. Medidas de incentivo e regulação do mercado editorial e regularização de pareceristas nas decisões sobre conteúdos editoriais didáticos, além do impulsionamento à criação e viabilidade de livrarias, editoras, feiras e festas de livros e eventos literários são consideradas fundamentais para o desenvolvimento da produção intelectual e para o fortalecimento da economia e do poder de influência cultural nacional;

6. Promover as literaturas, as humanidades, as ciências, as diferentes formas de saber e produção de conhecimentos. Nesse sentido, é preciso garantir o fomento aos processos de criação, formação, pesquisa, difusão e intercâmbio literário e científico em território nacional e no exterior, para autores/as e escritores/as, por meio de prêmios, intercâmbios e bolsas, entre outros mecanismos, inclusive a participação ativa em feiras de livros internacionais;

7. O setor editorial e livreiro se caracteriza por constantes mudanças e inovações desde a produção da escrita até os processos de edição, distribuição e mediação. Com a aceleração digital e novos suportes virtuais e formas de escrever e ler, são fundamentais as ações cooperadas dos governos, universidades e centros de pesquisa para promover a formação profissional no âmbito das cadeias criativa e produtiva do livro e mediadora da leitura, por meio de ações de qualificação e capacitação sistemáticas e contínuas;

8. É igualmente importante o incentivo às pesquisas, estudos e o estabelecimento de indicadores relativos ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas, com vistas a fomentar a produção de conhecimento e de estatísticas como instrumentos de avaliação e qualificação das políticas públicas do setor, bem como fomentar publicações com a pluralidade idiomática dos povos originários;

9. Garantir que todos os programas, ações e seus respectivos gestores tenham como referência um olhar antirracista e decolonial, conforme previsto nas leis 11.645/2008 e 10.639/2003. Isso implica pautar-se pelo combate ao racismo e aos preconceitos de toda ordem, valorizando a pluralidade em todos os seus âmbitos. A acessibilidade deve ser ampla e irrestrita como diretriz fundamental para o justo enfrentamento de problemas estruturais historicamente persistentes;

10. Garantir que os programas e projetos, assim como a elaboração do PNLL decenal, seja pautada pela atenção ao acesso às tecnologias virtuais, notadamente o acesso livre, amplo e irrestrito à Internet. Nesta perspectiva de inclusão digital, articular as ações de formação de leitores/as com programas de acesso digital para faixas marginalizadas da população e desenvolvidos por (outros) diferentes ministérios, governos estaduais e municipais e empresas públicas ou privadas.

JOSÉ CASTILHO

É doutor em Filosofia/USP, docente na FCL-Unesp, editor, gestor público e escritor. Consultor internacional na JCastilho – Gestão&Projetos. Dirigiu a Editora Unesp, a Biblioteca Pública Mário de Andrade (São Paulo) e foi secretário executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (MinC e MEC).