Eventos literários lotados e redes sociais repletas de livros, mas quem está lendo?

Disponível para download gratuito, a obra “Retratos da Leitura no Brasil 6” reúne análises de 18 especialistas sobre a queda nos índices de leitura no país

Brasileiros estão lendo cada vez menos. Os conteúdos virais sobre livros nas redes sociais, a ascensão de influencers literários e as grandes multidões que visitam eventos de literatura não refletem uma realidade preocupante: nos últimos quatro anos, houve uma redução de quase 7 milhões de leitores no país. Buscando entender esse fenômeno e os contextos que justificam essa diminuição, a obra Retratos da Leitura no Brasil 6, produzida e distribuída gratuitamente pelo Instituto Pró-Livro, reúne 18 especialistas em um debate completo sobre essa questão. 

Zoara Failla, coordenadora da pesquisa e organizadora da obra, introduz o livro com as principais revelações da sexta edição, trazendo dados não divulgados da pesquisa e chamando atenção para as principais teses dos coautores: “para descobrir como encarar o desafio de conquistar ou reconquistar uma geração entorpecida pelas telas e que ainda não descobriu o poder da leitura e a magia da literatura, convidamos os autores que assinam os capítulos desta obra para trazerem, com base em suas pesquisas, experiências e a partir do que revela a Retratos da Leitura, ‘dicas’ sobre como conquistar esses leitores.” 

Preocupada com a revelação de que as telas estão roubando o tempo dos livros (mais de 90% dos jovens usam seu tempo livre nas redes sociais e internet, principalmente para trocar mensagens, escutar músicas e jogar), Zoara faz referências a estudos de neurocientistas que defendem a leitura como antídoto para o “cérebro podre”. “A substituição dos livros pelas telas tem afetado o desenvolvimento cognitivo, a memória, a capacidade linguística fundamental para a construção do pensamento analítico, a comunicação, e o emocional, em especial, gerando ansiedade, hiperatividade e irritabilidade”, aponta.

Amplamente divulgada e comentada, a sexta edição da Retratos inquietou pela revelação de que, pela primeira vez, desde 2007 – quando deu início a construção da série histórica – temos mais não leitores (53%), do que leitores (47%) no Brasil. Além disso, “a pesquisa, que tem sua metodologia e abordagem atualizadas a cada edição para refletir o novo cenário da leitura, traz um diagnóstico profundo sobre o perfil, os interesses, formas de acesso e as barreiras para a leitura, contemplando não somente leitura em livros, mas, também, em diferentes materiais, gêneros, suportes e meios, como leitores de poesias compartilhadas em redes sociais”. 

Para avaliação da importância da pesquisa e dos principais resultados com base na série histórica da Retratos, foram convidados José Castilho, doutor em Filosofia, e Fabiano Piúba, secretário de Formação, Livro e Leitura do MinC. Em seus artigos, eles revisitam alguns dos resultados e defendem a importância das políticas públicas e da mobilização de toda a sociedade para avançar na construção de um país mais leitor. “Formar leitores/as é uma decisão política estratégica e só se realiza em períodos democráticos e includentes com políticas e planos construídos aos moldes da PNLE e do PNLL”, declara Castilho.   A obra também busca responder uma questão recorrente: a comparação com outros países da Ibero-América.

A organizadora convidou Margarita Cuellar-Barona, diretora do CERLALC, para comparar os resultados da Retrato da Leitura no Brasil com dados de outros países da Ibero América. Outros capítulos nos levam a reflexões sobre o desafio para a formação de leitores. Idmea Semeghini Siqueira, professora Sênior Livre Docente na USP, e Nagila E. da Silva Polido, doutora em Linguagem e Educação, defendem o despertar do gosto pela leitura na primeira infância e a necessária instalação de creches e escolas infantis que ofereçam espaços lúdicos e multilinguagens para as crianças. “Priorizar o foco inicial na leitura lúdica poderá contribuir para desatar nós, reduzindo as desigualdades sociais, uma vez que ninguém se torna leitor se não tiver a oportunidade de desenvolver o gosto pela leitura”.

A professora Teresa Aliperte, a partir da sua tese e experiência exitosa no Ensino Fundamental I, conta como envolver as famílias nas práticas leitoras. Já a pesquisadora Maria do Rosário Mortatti, ao analisar o que revelou a sexta edição sobre o perfil dos docentes, insiste na urgência da formação do professor leitor: “o melhor meio de infundir amor e gosto genuínos a algum escrito e levá-lo a ser lido, com prazer e legítima felicidade, é introduzi-lo no currículo da educação básica e dos cursos de formação de professores”.Já Eliana Yunes, doutora em Linguística e Literatura, conclui a reflexão sobre os desafios para a formação de leitores, propondo: “rever os parâmetros que usamos para identificar/formar um leitor hoje, pois me parece que a leitura nas práticas escolares [..] está presa a modelos de séculos passados”.

Outros capítulos incitam a reflexão sobre um tema atual e polêmico: o papel dos influenciadores literários digitais. Ana Erthal, professora e pesquisadora, traz um importante questionamento: “as pessoas são levadas a ler e desenvolvem o ‘prazer da leitura’ ou satisfazem suas curiosidades sobre as narrativas e constroem um capital cultural a partir do conteúdo dos influenciadores e suas redes de influência?”João Ceccantini e Luiz F. Martins Lima, ambos doutores em Letras, também analisam se os novos influenciadores digitais, como os BookTokers, desempenham a função de mediadores, já que “as obras são brevemente resenhadas, apreciadas ou depreciadas, exaltadas ou ridicularizadas, na velocidade acelerada característica do meio”. 

Jeferson Assunção, diretor de Livro e Leitura do Ministério da Cultura (MinC), provoca uma reflexão sobre o futuro da “leitura do livro na era da desmaterialização dos suportes”.Na análise sobre o acesso aos livros e às bibliotecas, Jorge Moisés Kroll do Prado, professor Doutor da Universidade de São Paulo (USP), avalia esses dados e propõem a reimaginação das bibliotecas como espaços abertos à comunidade, apontando a necessidade de contemplar, na formação de bibliotecários, disciplinas dedicadas à literatura e à promoção/mediação da leitura

Além dele, Bel Santos traz sua experiência como coordenadora da Rede de Bibliotecas Comunitárias para propor que esses devem ser espaços de diálogo, de reflexão, de construção de conhecimentos e de empoderamento das comunidades locais. 

Mariana Bueno, economista formada pela PUC-SP, foi convidada a analisar os dados de consumo de livros e destacou o percentual de 81% dos brasileiros que não compraram nenhum livro em um período de três meses. Segundo a especialista, “a expansão da demanda por livros está intrinsecamente vinculada à formação de uma sociedade leitora. Para que tal sociedade se estabeleça, torna-se imprescindível a implementação de políticas públicas que garantam não apenas o acesso aos livros, mas também capacitem os indivíduos para a leitura e, além disso, promovam o hábito de leitura”.

Alexandre Martins Fontes, ao analisar os dados sobre o consumo de livros e livrarias, defende a importância da Lei Cortez para a sobrevivência dessas “vitrines de histórias”. “É alí [nas livrarias], naquele ambiente de troca de ideias, de busca pelo conhecimento, cercadas por incontáveis histórias e por um mundo infinito de possibilidades, que as pessoas descobrem os livros”.

Ao analisar a importância dos eventos do livro – como feiras, festivais e bienais – o produtor cultural Rogerio Robalinho discute que as entrevistas com muitos jovens sobre seus interesses pelos livros, promove, nesses encontros e na divulgação desses eventos, o encantamento e o interesse pelos livros. Sobre a importância da leitura e da literatura no desenvolvimento humano e social, Karine Pansa, ex-presidente da International Publishers Association (IPA), diz que “só leitores bem-preparados têm os recursos internos necessários para filtrar informações, resistir a narrativas simplificadoras e tomar decisões informadas. Assim, ler bem não é apenas uma habilidade escolar – é um mecanismo de proteção democrática”.

Essas e outras constatações importantes e incômodas revelam onde e como devemos avançar para construir um Brasil mais leitor. Em um ano no qual a Bienal do Livro 2025 se consolidou como a maior da história em recorde de público, o lançamento do livro Retratos da Leitura, que aconteceu durante o evento, é um chamado para a ação e “um convite para se juntarem a essa missão fundamental para transformar o Brasil em um país mais leitor, como condição essencial para melhorar seu patamar de desenvolvimento humano, social e democrático”, como defende Zoara. 

O livro já está disponível para download gratuito no site do Instituto Pró-Livro, pelo link www.prolivro.org.br.  Sobre o Livro e a Pesquisa Com a organização de Zoara Failla e a coordenação editorial do IPL e o patrocínio do Itaú UNIBANCO (via Lei Rouanet), a pesquisa contou com parceria da Fundação Itaú e o apoio das entidades mantenedoras do IPL Abrelivros, CBL e SNEL.

O livro contou com o apoio, também, da Fundação Santillana, Companhia das Letras, Gráfica Santa Marta e Suzano S/A. Serviço

Retratos da Leitura no Brasil 6
Download gratuito do livro: https://www.prolivro.org.br/pesquisas-retratos-da-leitura/as-pesquisas-2/