O que nos revelaram os jovens que frequentam os eventos do livro e de leitura

O fim da ressaca dos eventos a distância levou à retomada, com muito público, aos eventos presenciais do livro e da literatura. Quem acompanhou eventos recentes, como a Bienal Internacional do Livro em SP e a FLIP, pôde identificar importantes mudanças no comportamento e nos interesses dos frequentadores desses eventos. As mídias destacaram essas novidades reveladas pelas preferências no consumo de livros e na presença de eventos com autores.

O Instituto Pró-Livro e o Itaú Cultural, em parceria, interessados em conhecer o impacto da pandemia no comportamento de leitores frequentadores desses eventos, decidiram levar a Retratos da Leitura para a Bienal Internacional do Livro de SP e comparar com resultados da pesquisa nacional (Retratos da Leitura no Brasil) e das pesquisas Retratos da Leitura aplicadas na Bienal do Rio e da FLUP, em 2019.

A pesquisa aplicada pelo IPEC, em todos os dias do evento, que aconteceu em julho/22, em visitantes com mais de 10 anos, revelou novos comportamentos que merecem ser conhecidos e mais bem estudados para avaliarmos se estamos frente a novos fenômenos que podem orientar estratégias no despertar do interesse pela leitura de livros ou frente a ondas que podem passar.

As principais revelações sobre mudança de hábitos de leitura que despontaram nessa pesquisa, principalmente impulsionadas pelo isolamento na pandemia, aparecem nas respostas sobre motivações para a leitura nos meses anteriores a Bienal (julho/22) Os Filmes, os amigos e um influenciador digital foram as três motivações mais citadas pelos entrevistados que informaram terem lido livros nos últimos três meses anteriores à Bienal.

Em relação à indicação do último livro lido, a principal surpresa foi expressivo aumento no percentual de citações de influenciadores digitais (entre 10 e 29 anos de idade, acima de 60%), que, em 2019, apareciam com percentuais bem mais baixos. Os influenciadores digitais, como os Booktokers, aparecem em primeiro lugar quando os visitantes da Bienal 2022 respondem quem indicou o último livro lido ou que está lendo, com 28% das citações; enquanto, na Bienal do Rio apareciam em 4º lugar com 13% de citações; em 6º lugar na FLUP, e, com 3% na pesquisa nacional. 

Certamente, apesar de não ter uma questão específica no questionário da pesquisa, se considerarmos as inúmeras entrevistas realizadas com visitantes pelas mídias na Bienal de SP, a rede TikTok e os Booktokers (com vídeos produzidos por leitores/ influenciadores sobre livros que gostaram) devem ter impulsionado essa surpreendente elevação nas citações de influenciadores digitais sobre quem indicou o livro que está lendo ou leu, entre jovens. 

Era esperado encontrar um maior percentual de leitores e de livros lidos entre esses visitantes, quando comparados com o perfil leitor do brasileiro, o que foi confirmado (98% dos visitantes informaram terem lido pelo menos um livro no período de três meses, com destaque para os livros de literatura, enquanto na pesquisa nacional foram 52%, com destaque à Bíblia, livros religiosos e didáticos). 

Outro dado interessante, porque foge do esperado, foi verificar que visitantes com Ensino Médio leem um pouco mais do que aqueles que têm nível superior que, em todas as pesquisas, são os que leem mais.  Esse dado, está em sintonia com a faixa etária dos maiores frequentadores da Bienal, que se declararam leitores.

Mas, o que confirma a elevação na importância das indicações desses influenciadores, foram os livros e autores mais lidos e as motivações para o consumo desses livros. 

Entre os treze livros lidos mais citados pelos 75% dos visitantes que declaram estar lendo no momento (slide abaixo), apesar da grande pulverização em títulos, encontramos pelo menos oito (*) que foram fenômenos de vendas, segundo as editoras expositoras nessa Bienal, que foram divulgados por Booktokers (comunidade de leitura do TikTok). Vários desses autores citados na lista dos mais lidos no momento, participaram de eventos nos dias de exposição levando milhares de “seguidores” para as filas da Bienal. 

(*)Trono de vidro; Harry Potter; Os Sete maridos de Evelyn Hugo. Enquanto eu não te encontro; Viúva de Ferro; Amor & Gelado; De sangue e Cinzas; Corte dos Espinhos e Rosas 

Dessa lista, somente dois livros aparecem na lista dos livros mais lidos pelos brasileiros em 2019: a Bíblia e Harry Potter, o que revela a importância desses influenciadores na escolha dos livros que estavam sendo lidos pelos visitantes da Bienal de 2022. 

Provavelmente, identificamos aqui, a influência das redes sociais junto aos leitores jovens, em especial da TIKTOK , com destaque para os Booktokers  identificados como principal influenciador na ampliação de venda de livros segundo lista de títulos divulgada pelas editoras  e na frequência a eventos com autores dessas obras, que aconteceram nessa Bienal de SP. 

Sem dúvida, o mercado editorial já percebeu que o Tik Tok está fomentando tendências o fenômeno e está se antecipando para descobrir qual será o próximo livro/autor que irá viralizar. As pesquisas de produção e vendas do mercado já apontavam o interesse por subgêneros (“Young Adult” ou “New Adult”) e por temáticas da representatividade (LGBTQIAP+; Mulheres ) .

No Tik Tok – há produtores ou criadores culturais que alimentam a rede com conteúdo de literatura.  Enfim, um fenômeno que surge nas redes ganha o espaço da produção cultural e da cadeia produtiva.

Outra pesquisa, essa britânica e aplicada pela Publishers Association (PA), como noticiou o PublishNews (30/11/022), a seguir, também apontou a importância do BookTok: “…influencia (e muito) as escolhas dos jovens leitores na hora de folhear um livro. Por volta de 59% dos jovens leitores entrevistados afirmaram que a rede social TIKTOK: “é uma base para suas escolhas de leitura e que descobriram a sua paixão por literatura com as obras indicadas na plataforma”. De 2.001 pessoas de 16 a 25 anos entrevistadas em outubro/22, no Reino Unido, mais de 60% afirmaram que não escolheriam os livros que estavam lendo sem as recomendações da rede.

O que informa essa pesquisa da Publishers Association confirma o que a Retratos da Leitura revelou sobre a importância da influência dessa rede nas escolhas dos livros e autores pelos jovens brasileiros que frequentaram a Bienal de SP, em julho. 

Mas, a principal questão que surge é se estaríamos frente a um novo fenômeno ou a uma nova onda. Esses leitores – seguidores, ou, seguidores -leitores, irão buscar outros autores ou serão leitores de um só livro ou de um só influenciador? 

Sem dúvida, o isolamento social incrementou o poder das redes sociais como fonte de informações, de compartilhamento de ideias e como potente criadouro de influenciadores que transformaram as telas nas vitrines que não podiam ser visitadas. Mas, em relação aos livros, a formação de leitores para sempre depende da formação do hábito e do despertar do gosto pela leitura. A formação de um leitor crítico e que dialoga com a narrativa, com o tema, e com a construção do personagem depende de práticas leitoras de gêneros, temas e textos de diferentes construções literárias e de hábil e “acolhedora” mediação. 

Assim, a “pergunta que não quer calar”, é, se:  essa “onda” vai conseguir formar leitores de outros autores e gêneros de literatura ou se serão leitores de um só autor ou influenciador? 

Esse fenômeno, além de já estar orientando as áreas de marketing das editoras, merece ser mais bem estudado por especialistas na área de formação leitora, pois, pode orientar novas estratégias e o uso da tecnologia e das redes sociais para a o despertar do interesse de leitores jovens pela leitura e pelo livro. 


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Zoara Failla

Coordenadora da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil

(do Instituto Pró-Livro e Itaú Cultural